quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O TIGRE ASIÁTICO

Chegou de longe. Do outro lado do mundo. Com sua família, deixou para trás cultura e costumes. Veio de Seul e chegou aqui ainda bebê, com meses de vida. Estavam prontos para enfrentar todas as dificuldades que encontrariam, e as enfrentaram. A adaptação não foi problema, tiraram de letra. Mas ele definitivamente sequer imaginava o que o esperava no futuro. Alguns anos se passaram e os alicerces vieram abaixo. Mesmo com a formação de engenheiro civil, o pai, Sang, não soube reestruturar os pilares da família, que foram derrubados pelo surto repentino da mãe, Kyung. Surto esse provocado por problemas psiquiátricos, que desencadearam no consumo excessivo de álcool e drogas. A família era rica, organizada, estruturada, mas foi pega de surpresa com a questão materna. Isso de fato assustou e, mais do que isso, abalou. Como uma doença transmissível, infectou a todos. Rapidamente o tempo passou, mas não apagou as úlceras causadas lá atrás, aliás, as sequelas se agravaram, trazendo complicações emocionais e até financeiras, então a mãe repentinamente desapareceu. Não se sabe como, nem quando. Apenas se deram conta de que ela havia os deixado. Talvez quisesse dar um basta à co-dependência da família, que se prendia aos seus problemas e, tanto quando ela, sofriam. Eis a gota d'água. O pai se perdeu no tempo, no espaço, no mundo. Não aguentou o enorme fardo deixado pela mãe e o largou. Sentiu-se no direito de não mais sustentar e cuidar dos filhos, ainda menores. Abandonou os três.
Então o mundo virou. Agora era cada um por si. Com 17 anos, Hyung, o filho do meio, tocou sua vida. Viu-se obrigado a seguir seu rumo sem a companhia dos irmãos. Juntou seus trapos e se virou. Não sabia por onde começar, pois era inexperiente. Pensou em desistir. Pensou em fugir, mas fugir para onde? Ele não tinha para onde ir! Transformou seus pesadelos e angústias em força e ânimo. Assim, lutou. Pediu asilo a um amigo, que o concedeu. Passou alguns meses jantando o almoço até se estruturar e conseguir seu próprio espaço. Vazio, solitário, sem móveis. Mas, seu lar.
O tempo passou e Hyung Jun Park, um rapaz de semblante sério e reservado, mas que quando sorri promove a alegria por onde passa, se encontra em outra situação. Ainda com as sequelas de uma triste história com um trágico fim, claro! Mas não tão trágico assim, pois das cinzas de uma família desestabilizada, renasceu alguém que não desistiu e que hoje, aos 25 anos, luta pelos seus anseios. Continua sozinho, sim. Mas os verdadeiros amigos ocuparam a lacuna que lhe foi deixada pela família. A relação com o pai e com os irmãos foi marcada pelo passado e continua a assombrar seu presente. Hyung não se recorda do último dia dos pais, o que o entristece demasiadamente e sabe que uma reaproximação com Sang provavelmente lhe entristeceria ainda mais, por isso opta por deixar as coisas como estão. Recorda-se, sim, do último momento com a irmã, Yoana, embora queira apagá-lo de sua memória, pois ela, hoje, segue o insano exemplo deixado pela mãe. Feliz ou infelizmente, nunca mais viu Kyung. Nunca mais ouviu seu nome. Não sabe de seu paradeiro. Definitivamente, não toca no assunto para não reviver em pensamento o que o separou de sua família, assim como evita falar no pai e na irmã. Sobrou-lhe somente a presença do irmão mais novo, Abraham. Ainda que não vivam juntos, são grandes parceiros na batalha diária da vida.
Hyung continua lutando e aprendendo! Continua crescendo! Continua caindo. Mas se levanta. Sua força de espírito impressiona a qualquer um! Tem seu trabalho, estudos e objetivos. Seu grande sonho é seu grande medo: construir uma família em que possa dar tudo o que não lhe foi dado e, quem sabe assim, poder apagar de vez as cicatrizes de uma infância e adolescência inconsoláveis. Mas, no fundo, no próprio medo, Hyung tem outro desejo. Reconstruir a sua família.

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